O critério de letalidade aguda numa única dose em animais de experimentação é uma estimativa extremamente limitada de extrapolação de toxicidade humana, pois não se levam em consideração variáveis como diferenças interespécies, doses repetidas, condições ambientais, estado prévio de saúde e fatores fisiológicos. Apesar disso, a influência que variáveis podem ter numa relação dose-resposta estabelecida não pode esconder o fato de que a DL50 (dose letal média, representando a morte de 50% de um total estabelecido) é uma dose claramente definida, reproduzível e importante indicador de toxicidade. Uma extrapolação simples da letalidade do DMT de informações obtidas de camundongos para humanos foi feita. Uma regra tradicional para escalar diferenças desconhecidas entre espécies humanas e não-humanas é simplesmente assumir que humanos são 10 vezes mais sensíveis que roedores. Quando há ausência de informações sobre a DL50 oral de uma substância, como no caso do DMT, deve-se assumir que humanos são 20 vezes mais sensíveis que roedores. Isto resulta numa DL50 para humanos de 1,6 mg/kg quando DMT é administrada por via intravenosa, ou seja, 112 mg para uma pessoa padrão de 70 kg. A biodisponibilidade de uma substância administrada via intravenosa é assumida como 100%. A biodisponibilidade de uma dose por via oral é significantemente menor. Assume-se, então o fator de conversão da biodisponibilidade intravenosa para oral como 1:5 baseado na suposição que 0,4 mg/kg por via intravenosa ser equivalente a aproximadamente 2,0 mg/kg por via oral. Assim, estima-se, que por via oral a DL50 seja de 8 mg/kg, concluindo-se que uma dose letal de ayahuasca em seres humanos, é provavelmente maior que 20 vezes a dose típica cerimonial (Gable, 2007).

Quanto às β-carbolinas, parece que estas não são potencialmente tóxicas, uma vez que a DL50 em ratos é de 120mg/kg. Autópsias de bovinos que consumiram grandes quantidades de arbustos que contém harmalina demonstraram somente congestão passiva visceral (Laing & Siegel, 2003).

Estudos realizados em camundongos mostram que as β-carbolinas produzem efeitos na temperatura corpórea e na função motora, aumentando a intensidade de tremores de forma dose-dependente, efeitos que parecem envolver mecanismos serotoninérgicos, noradrenérgicos e GABAérgicos (Freedland & Mansbach, 1999).

Em relação aos estudos de toxicidade aguda e crônica da exposição à ayahuasca por humanos, Grob et al. (1996) não verificaram evidências de efeitos adversos graves em voluntários que usavam ayahuasca em cerimônias religiosas. Neste contexto, o chá é consumido regularmente por homens e mulheres na faixa de idade dos 13 aos 90 anos. A avaliação psicológica de usuários de longo prazo não encontrou evidências de prejuízos nas atividades mentais. Funções cognitivas, fluência verbal, habilidade matemática, motivação, bem-estar emocional e personalidade foram alguns dos parâmetros avaliados no estudo. De fato, tem sido reportado que vários usuários regulares de ayahuasca com idade aproximada de 80 anos e que fizeram uso desde sua adolescência, permaneceram com acuidade mental e vigor físico preservados (Callaway et al., 1999).

No estudo conduzido por Callaway et al. (1994), observou-se que não há evidências de dependência física, mas alguma tolerância pode ser desenvolvida com o uso regular, sendo que podem ocorrer alterações nos níveis de neurotransmissores, principalmente da serotonina.

Efeitos adversos à saúde podem ocorrer a partir do uso casual da ayahuasca, particularmente quando substâncias serotoninérgicas são utilizadas em conjunto. É fato que a DMT pode induzir episódios psicóticos transitórios, que, no entanto, se resolvem espontaneamente em algumas horas. Até o momento não houve estudos conclusivos de que a ayahuasca possua potencial de abuso substancial ou persistente. Por outro lado, vem sendo registrados os benefícios psicológicos em longo prazo dentro de um uso contextualmente religioso, sendo que se têm observado que os usuários dedicados, com o tempo perdem o interesse pelo álcool, tabaco, cocaína entre outras substâncias (Gable, 2007). A ayahuasca tem sido sugerida como adjunto no tratamento da dependência ao álcool e outras drogas de abuso (Grob et al., 1996; McKenna, 2004;). A margem de segurança da utilização da ayahuasca em uma cerimônia religiosa se compara ao uso da codeína, mescalina ou metadona. O potencial de dependência oral do DMT e perturbação psicológica são mínimas de acordo com Gable (2007).

A DMT aumenta rapidamente os batimentos cardíacos, bem como a pressão sistólica e diastólica. Estudos com administração oral de β-carbolinas juntamente com DMT, induziram a um aumento dos picos dos batimentos cardíacos e pressão arterial cerca de um terço a mais que quando a DMT é administrada isoladamente após 90 e 120 minutos. Como dito anteriormente, as β-carbolinas contribuem para o aumento da quantidade de serotonina na fenda sináptica. O acúmulo excessivo pode produzir uma série de efeitos adversos, tais como tremor, diarréia, instabilidade autonômica, hipertermia, sudorese, espasmos musculares e possivelmente morte. Esse conjunto de sinais e sintomas é conhecido como síndrome serotoninérgica. Efeitos colaterais como desconforto físico ou dor crônica podem ser exacerbados pela ayahuasca (Callaway et al., 1999; Gable, 2007).

De fato, somente um caso de intoxicação fatal foi registrado depois de suposta ingestão da ayahuasca por um homem branco de 25 anos de idade. Análises macro e microscópicas não foram conclusivas, revelando somente congestão e edema tecidual. A análise toxicológica revelou as seguintes concentrações sanguíneas na vítima: DMT (0,02 mg/L); 5-metoxi-N,N-dimetiltriptamina (1,88 mg/L); THH (0,38 mg/L); HRL (0,07 mg/L) e HRM (0,17 mg/L). A causa da morte apontada pelo médico legista foi intoxicação alucinógena por aminas (Sklerov et al., 2005). Em contrapartida, essa publicação foi contestada por Callaway et al. (2006), que relata que nenhuma mistura de plantas, tradicionalmente usadas em cultos de tribos indígenas concentraria quantidade suficiente de 5-metoxi-N,Ndimetiltriptamina para levar a óbito um ser humano. Aventa a hipótese de que a pessoa em questão poderia ter ingerido além do chá, a substância sintética, o que poderia justificar as altas concentrações encontradas no sangue do jovem. Outra possibilidade seria a de se ter confundido a DMT que é o componente usual da ayahuasca com o seu análogo 5-metoxiN,N-dimetiltriptamina que possui um potencial tóxico muito mais relevante e significativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da ayahuasca é uma polêmica que ainda carece de vários estudos farmacocinéticos, farmacodinâmicos e toxicológicos para que se consiga chegar a um consenso de seu uso com segurança. Em paralelo, o quadro que se apresenta é de um número cada vez maior de adeptos, aparentemente indiferentes ao risco de se fazer uso regular de uma bebida que pode ter efeitos benéficos conforme apresentado, mas dos quais não se sabe quais efeitos indesejáveis podem vir a ser manifestados em longo prazo.

O fato de os usuários terem somente depoimentos favoráveis à ingestão não deve ser usado como justificativa para se interromper os estudos ao redor da ayahuasca, muito pelo contrário, devem servir de incentivo para que se verifique se realmente os efeitos benéficos apontados são condizentes com a realidade e podem ser utilizados no combate à farmacodependência e até mesmo da reinserção de indivíduos na sociedade.

O uso do chá por grávidas e crianças deve ser outro fator a ser considerado com mais critério, uma vez que em ambas as situações o organismo responde de forma diferenciada. No caso de mulheres grávidas, é ainda mais delicado, uma vez que a exposição à ayahuasca nesse período pode promover efeitos tóxicos no feto durante seu desenvolvimento.

No entanto, mesmo com a escassez de informações sobre a segurança de seu uso, sem dados científicos que indiquem seus riscos à saúde, não se pode deixar de reconhecer a importância de seu uso associado à religiosidade e ao seu contexto histórico-cultural brasileiro.