O termo alucinógeno é utilizado para agrupar uma categoria abrangente de substâncias psicoativas, variando entre canabinóides, ecstasy (MDMA; 3,4- metilenodioximetanfetamina), dietilamida do ácido lisérigo (LSD), psilocibina, dimetiltriptmamina (DMT), mescalina, 2,5 dimetoxi-4-metil anfetamina (DOM), entre outras, caracterizando-se por substâncias que promovem efeitos que incluem sintomas somáticos, de percepção e psíquicos (Nichols, 2004).

Os efeitos subjetivos similares aos desses compostos são observados na exposição à ayahuasca e podem ser exemplificados na área somática por náuseas, vômitos, tremores, tonturas, debilidade, contratura muscular, hiperreflexia, dores generalizadas, taquicardia (Callaway & Grob, 1998). No plano psíquico, verificam-se profundas e rápidas alterações dos estados emocionais: o indivíduo vai da depressão à euforia em poucos segundos. Pânico, apatia, alterações na memória e no pensamento, despersonalização e hipersugestabilidade, medo, insônia e sensação de morte iminente também podem ser observados. No plano perceptivo-sensorial observam-se distorções de tempo e espaço, estranhas sensações corporais, alterações nas percepções de formas, cores, sons, sinestesias e alucinações com alterações auditivas, olfativas e visuais (Shannon, 2003).

A DMT é estruturalmente semelhante ao neurotransmissor serotonina e age ligando-se a receptores 5-HT1a , 5HT1b , 5-HT2a e 5HT2c existentes no sistema nervoso central (Yritia et al., 2002). A serotonina (5-HT) é um dos principais neurotransmissores do sistema nervoso central. É sintetizada a partir do aminoácido essencial triptofano, e atua como regulador da função da musculatura lisa nos sistemas cardiovascular e gastrintestinal, na glândula pineal e nas plaquetas (Goodman & Gilman, 2007).

Os neurônios serotoninérgicos cerebrais estão envolvidos em diversas funções fisiológicas tais como sono, humor, sensação de dor, controle da temperatura e regulação da pressão arterial e em condições patológicas, tais como enxaqueca, ansiedade e depressão (Goodman & Gilman, 2007). No sistema cardiovascular, os principais efeitos são contração do músculo liso e potente vasoconstrição, que justifica possíveis aumentos na pressão arterial, devido ao aumento na resistência periférica (Costa et al., 2005).

Essa ação agonista serotoninérgica da DMT produz uma série de alterações cognitivas, sensoriais e emocionais momentâneas quando administrada por via parenteral. As modificações na percepção parecem ser bastante intensas, porém com um período de tempo bastante curto em sua duração (Strassman et al., 1994; Pomilio et al., 1999; Freedland & Mansbach, 1999).

Quando administrada por via oral, entretanto, tem sido demonstrada a perda de atividade da DMT devido à degradação de primeira passagem realizada pela enzima monoaminoxidase-A (MAO-A) periférica (Ott, 1994). Conjuntamente, a ayahuasca contém β-carbolinas, como a harmina, a harmalina e a tetraidro-harmina, presentes na B. caapi. A harmina e a harmalina e em menor extensão, a tetraidro-harmina, são potentes inibidores da MAO, fato que explica as propriedades psicoativas da bebida. Desta forma, as β-carbolinas impediriam a degradação da DMT no trato gastrintestinal, possibilitando que o fármaco fique disponível para ser absorvido (Riba et al., 2003). De fato, verificou-se que a DMT é inativa após administração oral de doses até 1000 mg, enquanto que em doses parenterais de 25mg já se observam alguns efeitos neurocomportamentais (Strassman & Qualls, 1994; Mckenna, 2004).

As β-carbolinas, por si mesmas, também poderiam contribuir com os efeitos psicoativos da ayahuasca, bloqueando a MAO no cérebro e inibindo fracamente a recaptação de serotonina, fenômenos que aumentariam os níveis do neurotransmissor na fenda sináptica (Cazenave, 2000; Callaway et al., 1999). Entretanto, as quantidades de β-carbolinas presentes numa dose de ayahuasca estão bem abaixo do limiar de sua atividade alucinogênica própria, que são de 300 à 500 mg para HRL e THH e de 100 mg para HRM. Por outro lado, estão acima do limiar para atividade como inibidora da MAO (Brito, 2004).

A seletividade das β-carbolinas para MAO-A sobre a MAO-B (baixa afinidade à MAO no fígado comparada com a MAO no cérebro) pode explicar porque não há relatos de crises hipertensivas associadas com a ingestão da ayahuasca em combinação com alimentos contendo tiramina (Callaway et al. 1999).

Na Figura 1 são apresentadas as estruturas químicas da DMT e as principais β-carbolinas presentes na ayahuasca, assim como a estrutura química do neurotransmissor serotonina, ilustrando suas similaridades químicas.

 

    Fig.1

 

Figura 1 – Estruturas químicas dos principais alcalóides presentes na ayahuasca e do neurotransmissor serotonina.

A DMT, a triptamina e a 5-hidroxi-N,N-dimetiltriptamina (bufotenina) também foram reportadas como constituintes normais da urina e sangue humanos (Franzen & Gross, 1965). A DMT endógena é gerada a partir do aminoácido essencial à alimentação: o triptofano; e a reação (Figura 2) é catalisada graças à ação de duas enzimas: a aminoácido aromático descarboxilase (AADC) (1), que descarboxila o triptofano formando triptamina, e a indoletilamina-N-metiltransferase (INMT) (2), que transfere grupamentos metil do S-adenosilmetionina (SAM) para a triptamina, gerando primeiramente N-metiltriptamina, e em seguida DMT (Jacob & Presti, 2005).

 

Fig.2

 

Figura 2 – Reação de biossíntese de DMT a partir do triptofano.

Logo após a descoberta de DMT endógeno em humanos, alguns pesquisadores começaram a analisar correlações entre o aumento dos níveis de DMT em fluidos humanos e a esquizofrenia. Estudos na área descreveram um aumento na excreção urinária de DMT em pacientes esquizofrênicos (Jacob & Presti, 2005).