Uma preocupação que foi tema central de disputas judiciais em diferentes países, inclusive no Brasil, é a da classificação da bebida como “droga” ou “alucinógeno”. Esses conceitos têm sido utilizados de forma equivocada e geralmente levam a incompreensão da sociedade no que diz respeito ao uso religioso da bebida. Antes de tudo temos que entender que a nomenclatura cientifica diz que droga é “qualquer substância, de origem animal, vegetal ou mineral, que, uma vez introduzida em um organismo vivo, produz alterações de ordem fisiológica”. Assim, substâncias como café, açúcar, chimarrão, suco de maracujá e etc. são classificados como drogas. Qualquer remédio comprado em farmácias é classificado como droga.

No entanto o termo “droga” está socialmente associado a substâncias destrutivas e desestruturadoras, que causam dependência e desequilíbrios sociais, prejudicando a segurança e saúde pública. Desta forma, o significado do termo droga é completamente distante da nomenclatura cientifica. O mesmo ocorre com o termo “alucinação”, entendido como perda da noção da realidade e perda do controle sobre si mesmo. Em tal estado uma pessoa “alucinada” pode causar danos a si mesma e a outros.

Ambos os termos estão carregados socialmente de questões depreciativas que em nada combinam com o uso religioso da bebida ayahuasca. Após amplos estudos nas comunidades ayahuasqueiras o governo brasileiro constatou que as pessoas que dela fazem uso são pessoas que buscam continuamente melhorar a si mesmas através do autoconhecimento, elevação espiritual e que pregam a paz mundial, harmonia, respeito pela natureza e integração entre os povos, metas essas só alcançadas na plenitude das faculdades físicas e mentais. Além disso, não foi constatado nenhum caso de dependência entre os usuários nem de abstinência quando cortado o uso, não há evidencias suficientes que comprovem que o uso cause qualquer desequilíbrio ou que seja destrutivo e/ou perigoso (exceto em casos de bipolaridade e esquizofrenia).

Muitos antropólogos que estão habituados ao uso da bebida e que conhecem as comunidades ayahuasqueiras têm trabalhado para trazer à sociedade a compreensão desses fatos. Gordon Wason (norte-americano) propôs a distinção entre alucinação (estado alterado de consciência) e estados ampliados de consciência, estado esse proporcionado pela ingestão da ayahuasca em um contexto religioso e guiado por uma pessoa responsável. O estado ampliado de consciência permite uma compreensão mais ampla da realidade, com maior clareza ou com transcendência, bem diferente, portanto, de uma alucinação. Outros pesquisadores têm proposto o termo “Enteógeno”, que significa substância que “gera uma experiência de contato com o divino”, causando uma sensação generalizada de aproximação com o Sagrado e facilitando o autoconhecimento e o aprimoramento do ser humano.

Mas independente da nomenclatura adotada, até o presente momento, ninguém conseguiu demonstrar qualquer afirmação negativa contra o uso religioso da bebida ou mesmo alguma evidencia que confirme um risco a saúde física e espiritual do ser humano. Há uma necessidade de estudos de médio e longo prazo sobre o impacto do uso da bebida, mas como afirmado, até o momento nada foi demonstrado em relação a riscos e danos e os estudos realizados só demonstraram benefícios sobre aqueles que utilizam regularmente em um contexto religioso.

Uso de drogas com a ayahuasca

A ayahuasca tem ganhado importância e respeito governamental com o pedido de reconhecimento como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Mas como foi dito acima, ainda existe uma imagem negativa da sociedade sobre o uso religioso da bebida.

Uma das razões está no uso de drogas ilícitas (como a maconha) em conjunto à bebida, por parte de alguns centros ayahuasqueiros. Essa prática é totalmente abominável e nos últimos anos ocorreram denuncias desses centros que utilizam e incentivam o uso de ‘drogas’ junto com a ayahuasca. Tais fatos são de conhecimento público e existem investigações tramitando no Ministério Público Federal. Os centros que utilizam dessa bebida devem ter a responsabilidade e o respeito para com todos aqueles que buscam suas curas interiores. Caso você testemunhe tais práticas, denuncie! No Brasil não há um órgão responsável por fiscalizar os centros ayahuasqueiros, portanto qualquer denuncia deverá ser feita ao MP ou Polícia Federal.

Inocuidade da ayahuasca

Entre 1991 e 1993, a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Amazonas, Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), Universidade da Califórnia, Universidade de Miami, Universidade do Novo México e Universidade de Kuopio (Finlândia), foram convidados por iniciativa da União do Vegetal, para gerenciar uma pesquisa científica, intitulada “Farmacologia Humana da Hoasca, chá usado em contexto ritual no Brasil”. A pesquisa foi articulada pela direção central do Centro de Estudos Médico-Científico da União do Vegetal, órgão interno da instituição, que reúne, entre seus adeptos, profissionais de áreas relevantes. Os resultados constatam que a bebida Ayahuasca é inofensiva à saúde. A pesquisa está publicada em importantes revistas científicas como: “Psychopharmacology”, em texto assinado por J. C. Callaway (PhD), e “The Journal of Nervous and Mental Disease”, em texto de Charles S.Grobb (PhD).

Este estudo foi realizado em Manaus envolvendo nove centros universitários e instituições de pesquisa do Brasil, Estados Unidos e Finlândia, financiados pela fundação norte-americana Botanical Dimension. A pesquisa começou a ser planejada em 1991 e aconteceu em 1993. Consistiu em aplicar testes laboratoriais e questionários, dentro dos procedimentos científicos padrões, em usuários da Ayahuasca. Eram pessoas de faixas etárias variadas, dos meios urbano e rural, frequentadores assíduos dos cultos. Os testes foram também executados em não usuários servindo de grupo de controle.

A avaliação psiquiátrica conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Centro de Referência da Organização Mundial da Saúde, não encontrou entre os usuários pesquisados nenhum caso de dependência, abuso ou perda social pelo uso da Ayahuasca, aspectos presentes em usuários de drogas proscritas pela legislação.

As conclusões comparativas são surpreendentes. A primeira delas, confirmando a afirmação de que a bebida é inócua do ponto de vista toxicológico: não se constatou “nenhuma diferença significante no sistema neurosensorial, circulatório, renal, respiratório, digestivo, endócrino entre os grupos experimentadores e de controle”.

Nos testes psiquiátricos, foram aplicados os recomendados pela ortodoxia científica, o CIDI (Composite International Diagnostic Interview), com os critérios do CID 10 e DSM IIIR, e o TPQ (Tridimensional Personality Questionnaire).

Constatou-se que os usuários da Ayahuasca, comparativamente aos não usuários (grupo de controle) mostraram-se mais “reflexivos, resistentes, leais, estoicos, calmos, frugais, ordeiros e persistentes”. E ainda: mais “confiantes, otimistas, despreocupados, desinibidos, dispostos e enérgicos”. Exibiram também “alegria, determinação e confiança elevada em si mesmo”. Os examinados apresentaram desempenho significativamente melhor que os do grupo de controle quanto à capacidade de lembrar as palavras na quinta tentativa. Foram melhores também em “número de palavras lembradas, recordação tardia e recordação de palavras após interferência”.

Embora o protocolo de estudo não permitisse separar os benéficos atinentes ao contexto religioso dos efeitos da bebida em si, esta pesquisa confirma a impressão geral, decorrente da sua utilização milenar, da inocuidade da Ayahuasca. De fato não se conhece caso de lesões e doenças provocadas pelo seu uso “in natura”, sem adulterações ou misturas.